Malformações congênitas relacionadas à exposição intra-uterina às drogas antiepilépticas

24/05/2012 21:16

 

    Aproximadamente 0,5% das gestantes apresentam epilepsia, estando expostas às complicações inerentes à gestação e às relacionadas à epilepsia e ao uso crônico de drogas antiepilépticas (DAE). A importante interação entre gravidez e epilepsia explica o risco aumentado de parto prematuro, malformações congênitas (MC) e óbito fetal. Outros autores destacam o baixo peso de nascimento, particularmente em gestantes epilépticas tratadas com politerapia, como a complicação mais frequentemente observada. Por outro lado, a gestação pode alterar o curso da epilepsia, aumentando a freqüência das crises, sobretudo nas mulheres que apresentam elevada freqüência de crises no período pré-gravídico. Há estreita relação entre hormônios sexuais e crises epilépticas, uma vez que o estrogênio reduz a ação gabaérgica e potencializa determinados neurotransmissores excitatórios e a progesterona aumenta os efeitos inibitórios do GABA no sistema nervoso central. 
    Estima-se que em torno de 3% de todos os nascidos vivos apresentem alguma MC maior ou menor. Apesar de tema ainda controverso, filhos de gestantes com epilepsia apresentam risco de malformação significativamente maior que a população geral, quer pela exposição do feto às drogas DAE, quer por fatores ainda não totalmente esclarecidos relacionados à própria doença.
 
Drogas antiepilépticas e gestação
    
    A primeira descrição de malformação fetal relacionada a exposição às DAE data do início da década de 60, quando Mullers-Kuppers descreveu o caso de uma
criança exposta durante a vida intra-uterina à fenitoína que apresentava microcefalia, retardo mental e fenda palatina. Diversas DAE são rotineiramente utilizadas durante a gestação, devendo-se dar preferência à monoterapia, pelo menor risco de complicações relacionadas ao tratamento.
    A maior parte das malformações não é específica, embora algumas embriopatias possam ser consistentemente relacionadas a determinadas DAE, constituindo síndromes. De um modo geral, as MC mais freqüentemente observadas em fetos de mães usuárias de DAE são fenda palatina e labial, defeitos de fechamento do tubo neural e malformações cardíacas.
 
    VALPROATO DE SÓDIO:
 
    O valproato de sódio (VPA) é freqüentemente relacionado a processos malformativos em fetos expostos, podendo as anormalidades serem menores, como hipotonia e dificuldade de sucção, e maiores, envolvendo malformações de órgãos e tecidos, constituindo a “síndrome fetal do valproato”. Retardo global do desenvolvimento, atraso de linguagem, malformações cardíacas severas, anormalidades oculares e, menos freqüentemente, cranioestenose também são descritas. Estudos experimentais sugerem a necessidade de exposição a altas doses da droga durante a gestação para o desencadeamento de processos malformativos. 
    Quando fetos de ratos são expostos a altas doses de VPA, observa-se aumento na incidência de espinha bífida e de malformação semelhante à de Arnold-Chiari em humanos. Robert e Guibaud, no início da década de 80, foram os primeiros a descrever a associação entre VPA e defeitos de fechamento do tubo neural, sendo que em modelos animais a porção anterior do tubo neural parece ser mais sensível que a posterior no que diz respeito a defeitos de fechamento.
                                                                                                              
 
CARBAMAZEPINA:
 
    As alterações morfológicas provocadas pela exposição durante a vida intra-uterina à CBZ constituem a “síndrome carbamazepínica”, composta por dismorfismos crânio-faciais, alterações em membros, retardo de crescimento e deficiência mental. Malformações do trato urinário, do sistema cardiovascular, defeitos no fechamento do tubo neural e fenda palatina são também descritos com certa freqüência. Apesar de alguns relatos associarem a utilização da CBZ durante a gestação às malformações oculares, Kroes et al. não identificaram nenhum caso de exposição à CBZ em 77 pacientes com malformações oculares, levantando dúvida sobre esta possível relação.
    Outras MC raras e não comprovadamente associadas à CBZ são esporadicamente citadas na literatura, como a malformação do primeiro arco branquial, caracterizada pela fusão unilateral entre mandíbula e maxila. Dados recentes sugerem que níveis séricos elevados da CBZ durante a gestação estão 
relacionados a alteração no potencial evocado auditivo de tronco cerebral, podendo este ser um exame utilizado em recém-nascidos como indicador precoce de neurotoxicidade induzida por esta droga.
                                                                                                
 
FENITOÍNA:
 
Determinadas malformações fetais como fenda palatina, lábio leporino, hipoplasia da falange distal, agenesia ou hipoplasia das unhas, hipertelorismo, 
nariz em sela, pescoço curto, coloboma, deficiência mental e retardo de crescimento são consistentemente relacionadas à fenitoína (PHT), constituindo a “síndrome hidantoínica”. Menos freqüentemente, podem ser observados polidactilia, malformações oculares, malformações cardíacas incompatíveis com a vida, microcefalia, hérnia inguinal, hipospádia, linfangioma cístico retro-peritoneal, sindactilia em pés e mãos e mielomeningocele. Relatos isolados fazem referência a uma ação potencialmente carcinogênica da PHT sobre fetos expostos, havendo descrições de neuroblastoma, ganglioneuroblastoma, mesenquimoma e ependimoblastoma. Estes últimos dados necessitam de estudos adicionais para comprovação.