Alguns teratógenos definidos e prováveis em seres humanos

26/05/2012 16:34

 

    Embora se tenha constatado que muitos fármacos são teratogênicos em graus variáveis em animais experimentais, relativamente poucos são comprovadamente teratogênicos nos seres humanos. Alguns dos mais importantes são discutidos adiante.

  1. TALIDOMIDA:  A talidomida é praticamente única na sua capacidade de produzir, em doses terapêuticas, praticamente 100% de lactentes com malformações quando usada nas primeiras 3-6 semanas de gravidez. Foi introduzida em 1957 como hipnótico e sedativo, com a característica especial de ser extremamente segura em super dosagem, tendo sido até mesmo recomendada de modo específico para o uso durante a gravidez (com o slogan de publicidade “o hipnótico seguro”). Como era normal na época, a talidomida fora submetida apenas a testes de toxicidade aguda, e não a testes de toxicidade crônica ou de teratogenicidade. A talidomida foi comercializada ativamente e com êxito, e a primeira suspeita de teratogenicidade surgiu início de 1961, com relatos de um súbito aumento na incidência de  focomelia (“membros de foca”; ausência de desenvolvimento dos ossos longos, dos braços e das pernas) que até então era praticamente desconhecida. Nessa época, eram vendidos cerca de um milhão de comprimidos diariamente na Alemanha Ocidental. Os relatos de focomelia apareceram simultaneamente em Hamburgoe em Sydney, e foi estabelecida a conexão com o uso da talidomida. A droga foi retirada do mercado no final de 1961, quando já havia nascido um número estimado de 10.000 bebês malformados.  Apesar de estudos intensivos, seu mecanismo de ação continua mal esclarecido. Os estudos dos numerosos casos de teratogênese por talidomida em seres humanos demonstraram muito claramente a correlação existente entre o momento de exposição ao fármaco e o tipo de malformação produzida.
  2. AGENTES CITOTÓXICOS: Muitos agentes alquilantes (por ex., clorambucil e ciclofosfamida) e antimetabólitos (p.ex., azatioprina e mercaptopurina) podem causar malformações quando utilizados no início da gravidez, embora, com mais frequência, resultem em aborto. Os antagonistas do folato (metotrexato) produzem uma incidência muito maior de malformações importantes, que são evidentes tanto em fetos nascidos vivos quanto em natimortos.
  3. RETINÓIDES: O etretinato, um retinóide (isto é, derivado da vitamina A) com efeitos acentuados sobre a diferenciação epidérmica, é um teratógeno conhecido responsável por uma elevada proporção de anormalidades graves (notavelmente deformidades esqueléticas) em fetos expostos. É utilizado por dermatologistas no tratamento da psoríase grave e outras doenças cutâneas. Acumula-se na gordura subcutânea e, em consequência, é eliminado de modo extremamente lento, com persistência de quantidades detectáveis durante muitos meses após a interrupção de doses crônicas. Em virtude disso, as mulheres devem evitar gravidez durante pelo menos dois anos após o tratamento. A acitretina é um metabólito ativo de etretinato. É igualmente teratogênica, porém o acúmulo tecidual é menos pronunciado, de modo que a sua eliminação pode ser mais rápida.
  4. DROGAS ANTIEPILÉPTICAS: Verifica-se um aumento de duas a três vezes na incidência de malformações congênitas em bebês de mães epilépticas. É interessante assinalar que todos os agentes antiepilépticos foram implicados, incluindo a fenitoína (particularmente lábio leporino/fenda palatina), valproato (defeitos do tubo neural) e carbamazepina (espinha bífida e hipospádias – malformação da uretra masculina).
  5. VARFARINA: Os antieméticos foram amplamente utilizados no tratamento do enjôo matinal no início da gravidez, e alguns são teratogênicos em animais. Os resultados de levantamentos em seres humanos não são conclusivos e não fornecem nenhuma evidência bem definida de teratogenicidade. Todavia, é prudente evitar o uso desses fármacos nas gestantes, quando possível.
  6. ANSIOLÍTICOS E ANTIDEPRESSIVOS: Os ansiolíticos provocam anomalias congênitas quando são administrados durante o primeiro trimestre da gravidez, apesar de este efeito ainda não ter sido provado. A maioria dos  antidepressivos parecem ser bastante seguros se forem usados durante a gravidez, mas o lítio pode provocar anomalias congênitas (principalmente no coração). Os barbitúricos, como o fenobarbital, administrados a uma mulher grávida, têm tendência para reduzir a icterícia ligeira que se observa nos recém-nascidos.
  7. ANTICOAGULANTES: O feto em desenvolvimento é extremamente sensível aos dicumarínicos, fármacos que evitam a formação de coágulos (anticoagulantes). Em até 25 % dos bebês expostos a estes fármacos durante os primeiros 3 meses de gravidez são detectadas anomalias congênitas significativas. Além disso, há risco de que ocorra uma hemorragia tanto na mãe como no feto. Se uma mulher grávida for propensa a formar coágulos no sangue, a heparina é uma alternativa muito mais segura. No entanto, a sua administração prolongada durante a gravidez pode provocar uma descida do número de plaquetas na mãe (as plaquetas são partículas semelhantes a células, que são fundamentais para a coagulação do sangue) ou uma diminuição da espessura dos ossos (osteoporose).
  8. FÁRMACOS PARA O CORAÇÃO E PARA OS VASOS SAGUÍNEOS : A administração destes fármacos durante a gravidez é necessária para tratar certos problemas que são crônicos ou que surgem durante a gravidez, como a pré-eclampsia (hipertensão, presença de proteínas na urina e acumulação de líquidos durante a gravidez) e a eclampsia (convulsões em consequência da pré-eclampsia). Os fármacos que fazem descer a tensão arterial alta são utilizados com frequência nas mulheres grávidas com pré-eclampsia ou eclampsia, mas dado que alteram o funcionamento da placenta são administrados com grande cuidado para evitar causar problemas ao feto. Em geral, estes problemas são consequências de uma descida muito rápida da tensão arterial da mãe, que provoca uma redução considerável do afluxo sanguíneo à placenta. Do mesmo modo, deve ser evitada a administração dos inibidores da enzima conversora da angiotensina e dos diuréticos tiazídicos, porque podem provocar graves problemas fetais. A digoxina, utilizada para tratar a insuficiência cardíaca e algumas anomalias da frequência cardíaca, atravessa a placenta muito facilmente, embora os seus efeitos no bebê, antes ou depois do parto, sejam muito escassos. Alguns fármacos como a nitrofurantoína, a vitamina K, as sulfonamidas e ocloranfenicol, podem provocar uma destruição dos glóbulos vermelhos das gestantes e dos fetos com deficiência da glicose-6-fosfatodesidrogenase (G6PD), um problema hereditário que afeta as membranas dos glóbulos vermelhos. Por conseguinte, as mulheres com este problema não devem consumir estes fármacos.

    Fonte: CRUZ, A.; FERREIRA, G. Farmacocinética e Dinâmica dos Medicamentos na Fase de Lactação e Gestação. UNIPAC, 2009.

 
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